Diário da Região – 3 de janeiro de 2023
Minhas memórias com o Rei
Corri o quanto pude,
perdi óculos, relógio,
saltei o alambrado e
vi o rei Pelé de perto
Estádio Mário Alves Mendonça, dia 5 de agosto de 1973. Eu era um jovem de 24 anos, são-paulino de Santa Fé do Sul, apaixonado por futebol, namorado de uma linda moça de Olímpia, a Maria Elza, que conheci estudando em Ribeirão Preto.
Naquele domingo à tarde em Rio Preto, dividi as arquibancadas do estádio – um verdadeiro caldeirão – com milhares de torcedores. Havia também gente fora do estádio, em camarotes improvisados, nas casas próximas e nas marquises.
Torcedor vindo de toda parte, da cidade e da região. Todo mundo querendo ver Pelé! Os colegas, apesar do talento, perto da genialidade dele às vezes pareciam meros coadjuvantes. A torcida só tinha olhos para o rei negro e sua intimidade com a bola.
Se bem que por aqui sua majestade nem sempre tinha vida fácil. Aquele América de tantas glórias, que infelizmente hoje são só lembranças, apresentava uma marcação implacável. O sol era escaldante e os jogadores do Rubro dispostos a dar a vida para vencer o melhor time do mundo.
Eu estava em êxtase, saboreando cada momento, até ouvir o grito… “fogo”. Atrás da arquibancada dos fundos uma fumaça preta e densa começava a invadir o estádio e a escurecer o céu da Vila Santa Cruz. Era um incêndio iniciado num amontoado de pneus velhos.
A correria geral foi inevitável. Corri o quanto pude, descendo os lances das arquibancadas com dificuldade para me equilibrar. Perdi óculos, carteira, relógio. Quando percebi, havia conseguido escalar e passar até pelo alambrado e, então, vi o Rei Pelé de perto, tentando acalmar os torcedores. Apesar das muitas dores no corpo, tive apenas ferimentos leves.
Em diferentes ocasiões encontrei-me com outras versões de Pelé. Numa delas, ele, na condição de ministro de Esportes, esteve na Câmara dos Deputados para fazer uma explanação sobre a Lei Pelé. Foi hostilizado por uma claque da CBF e cartolas do futebol.
O mais exaltado na injustificada grosseria era o deputado Eurico Miranda, polêmico dirigente do Vasco da Gama. Mas o Rei reagia com serenidade, educação, cortesia e sorriso no rosto. Tirei fotos ao lado de Pelé, como fazem os fãs.
Em outra ocasião, o Rei recebeu-me com uma pergunta:
– Você é de Rio Preto, não é? Terra da Cida Caran…
Rimos muito. O Rei e a colunista social eram muito amigos.
Já no cargo de ministro de Portos recebi em Santos uma homenagem que até hoje não esqueço: uma camisa do Santos autografada pelo Pelé.
A diferença entre o Pelé de seu tempo e alguns jogadores do universo midiático atual é notória. Antes de um jogo em Rio Preto, no auge da fama, ele posou para fotos tomando vacina, para dar o exemplo. Poucos atletas milionários fazem hoje essas ações sociais e de conscientização.
Ninguém é perfeito como ser humano – temos nossas fraquezas e falhas. Mas Pelé beirou a perfeição: interrompeu uma guerra, levou o futebol a todos os cantos do mundo, manteve um preparo físico exemplar enquanto jogou e soube parar no momento certo.
Perdemos o cidadão Edson Arantes do Nascimento no último 29 de dezembro. Foi embora o corpo físico do Rei, aos 82 anos, mas ficou e permanecerá para sempre aquele que realmente merece, com todas as honras, ser chamado de mito.
Pelé é eterno. Estou convicto que não haverá outro como ele. A não ser que in- ventem um robô igualzinho. E ainda assim será preciso esperar que essa máquina conquiste três Copas e marque mais de mil gols para ser possível fazer alguma comparação.
EDINHO ARAÚJO
Prefeito de Rio Preto